Saturday, December 10, 2005

Olhar é, também, compreender

- A senhora está triste? – Perguntaram-me, um dia destes, quando estava para pagar uma conta numa pastelaria. Terá sido ontem? Não sei. O Tempo tem esta particular beleza de, às vezes, passar muito devagarinho, quase a ponto de nos beijar, e de, outras vezes, passar muito depressa, oferecendo-nos quase uma bofetada no rosto. Se o Tempo não importa, o Onde também não importará. O que é mesmo importante é o facto de terem reparado. Neste mundo em que todos correm de um lado para o outro e em que ninguém repara em ninguém, esta pergunta, naquele lugar e naquele tempo, fez-me parar. E fez-me parar porquê? Interrogar-se-ão vocês. Simplesmente, porque era verdade. A minha alma estava pesada e o meu olhar triste. Um estranho, numa pastelaria qualquer e num dia qualquer, olhou para mim e viu-me, vendo-me também no meu interior.
- Não. – Disse-lhe eu, com uma voz pouco convincente e um sorriso um pouco forçado. Na verdade, inconscientemente, quis-lhe dizer que sim, mas o não acabava por me arranjar uma saída mais fácil, evitando assim outro tipo de perguntas que requeriam uma resposta mais longa, e talvez até mais difícil.
Ao mesmo tempo que me dirigia para o carro, ia pensando no que me tinha acabado de acontecer. Pé ante pé, fui prolongando o meu regresso para poder ter mais tempo para reflectir. É impressionante como uma pergunta tão simples, sincera e inocente nos pode tocar tanto. Na correria louca do dia-a-dia, nunca, ou quase nunca, nos apercebemos de quem passa ou de quem olha para nós. Na verdade, são também poucas as vezes em que olhamos para os outros. Olhar, não no sentido de ver, mas de compreender. Olhar no sentido que Antoine de Saint-Exupéry lhe deu, n’ O Principezinho, ao dizer que “ (…) só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.”.
Quando cheguei ao carro, após milhares de pensamentos e algumas centenas de passos, já trazia um sorriso sincero no rosto, simplesmente, porque me sentia reconfortada com a ideia de que, apesar das relações entre as pessoas serem cada vez mais impessoais, ainda há gente que se importa … ainda há gente que repara. Com o rosto bem erguido para o céu, lancei ao vento o meu “muito obrigada”.

(23-08-05)

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