Thursday, April 27, 2006

Chove lá fora


Chove lá fora.
Dentro de uma velha sala da Biblioteca Geral, olho para o mundo que, lentamente, respira para lá de uma pensativa janela. Ao seu lado, um piano antigo dorme pacientemente à espera de alguém que o acorde com a paixão de tempos longínquos. As teclas oferecem-se-nos como num acto de sedução e o som que suponho ser delas mistura-se com o som dos pingos a cair numa sinfonia encantadora.
Chove lá fora.
As pessoas cruzam-se sem se olharem, sem se aperceberam da existência dos que, apressados, passam sem deixar memória. Olham em frente, olham para o lado, mas nunca olham nos olhos. - Porquê? - Interrogo-me eu. Porque o olhar não mente. Porque o olhar reflecte quem somos, o que pensamos, o que sentimos. Porque o olhar nos despe das nossas capas e nos deixa completamente nus. – Haverá mal em, inconscientemente, nos defendermos dos olhares alheios? – Não. Não creio que haja. No entanto, também não há mal nenhum em nos darmos a conhecer e deixarmos que os outros nos conheçam também. O olhar é tão bonito e diz-nos tanto sobre quem olhamos! Às vezes, basta um olhar para o dia nos parecer mais claro ou para a noite se mostrar mais estrelada. Não posso dizer que um olhar pode mudar o mundo, mas, no entanto, sei que um olhar pode-nos mudar a nós próprios. Basta deixarmos. Basta acreditarmos.
Chove lá fora.
Já não sei se ainda estou dentro da velha sala da Biblioteca Geral ou se já estou a cruzar-me com os olhares que via da janela. Talvez não esteja em nenhum dos dois lados ou talvez esteja nos dois lados ao mesmo tempo, olhando e sendo olhada.

(7/04/2006)