Monday, August 14, 2006

Cansaço ...

Foi Álvaro de Campos, heterónimo de Fernado Pessoa, que, na sua última fase, soube melhor do que ninguém exprimir o cansaço de viver:

"O que há em mim é sobretudo cansaço
Nem disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço"

Nesta tarde dona de um sol abrasador, estes versos não me saem da mente e nela baloiçam como nas asas de uma ave. Sinto-me um Campos do século XXI. Também eu estou cansada, não de viver, que é coisa que adoro, mas de alguns obstáculos da vida. O que fazer? Nada, apenas esperar que o vento sopre noutra direcção e leve este cansaço com ele.

Thursday, August 10, 2006

O sorriso do Rui

Um sorriso de uma criança, um olhar de um estranho, um gesto amigo ... são alguns dos pequenos momentos da vida que nos fazem esquecer as tristezas e acreditar num mundo melhor.
Sentada a contemplar o vasto oceano que se estendia à minha frente e a pensar nos vários obstáculos que a vida nos coloca, fui despertada pelas gargalhadas de um pequenito que, sofregamente, corria à beira-mar.
Loiro, de olhos claros e sorriso aberto, devia ter perto de dois anos.
- Olá! - Disse-lhe eu, quando se aproximou de mim.
- Olá! - Respondeu-me ele com uma vozita tímida e um sorriso maior que o mundo.
- Como te chamas? - Perguntei, completamente deslumbrada por aquela figurinha de palmo e meio.
- Rui. - Respondeu, sem pronunciar muito bem o R, e retomando a sua fuga à mãe que corria atrás dele e estava já muito perto de o alcançar. Depois de fingir que ele corria mais depressa do que ela, lá o apanhou e o levou de novo para debaixo do chapéu-de-sol.
Tudo isto aconteceu num breve minuto, mas na minha cabeça arrastou-se por um tempo indefinido. Quando voltei a olhar para o mar, já não pensava em mais nada, a tristeza tinha sido expulsa da minha tarde e eu sentia-me diferente, bem.
- O sorriso do Rui fez-me feliz. - Confidenciei eu ao mar no diálogo mudo que continuámos a ter até ao sol desaparecer por detrás da linha do horizonte.

(09-08-2006)

O fado da vida

Acompanhada da sua guitarra e da sua voz melancólica,
a tristeza bateu outra vez à minha porta.
Com o seu longo vestido preto,
xaile aberto sobre os ombros,
cantou para mim como se nada mais houvesse no mundo,
como se só eu e a minha dor existissemos para ela.

Acompanhada da sua guitarra e da sua voz melancólica,
a tristeza entrou pela minha casa adentro.
Com o seu olhar vago e longínquo,
cabelos escuros a cair pelas costas,
cantou pela madrugada fora
e só parou quando o sol se ergueu no horizonte.

Acompanhada da sua guitarra e da sua voz melancólica,
a tristeza bateu à minha porta,
entrou pela minha casa adentro
e nela permanece ainda.
Canta, chora e sofre num fado contínuo,
num alegre e triste fado da vida.

(08-08-2006)

Monday, August 07, 2006

É bom viver

"Foi bom ter nascido, para ver como isto era, para matar a curiosidade. Fugidia alegria, luz breve.". É Vergílio Ferreira, em Alegria Breve, o autor destas duas pequenas, mas intensas, frases.
"Foi bom ter nascido...", quantos de nós disse isto ao longo da sua vida? Quantos de nós se alegrou por estar vivo e por fazer parte deste mundo?
Passamos a vida a queixarmo-nos das desgraças que nos afectam, mesmo que não sejam verdadeiras "desgraças", mesmo que sejam apenas contratempos, contrariedades, pequenos obstáculos com os quais diariamente nos deparamos, mesmo assim fazemos da nossa vida um retrato pior do que o da vida dos outros. Talvez seja a tendência egocêntrica do ser humano, talvez seja uma defesa do nosso inconsciente, mas a verdade é que este egocêntrismo ou esta defesa não nos pernmite olhar para a vida como um dom, como um milagre que todos os dias acontece e que nos passa despercebido. A vida - a possibilidade de viver, de respirar, de sentir - é algo de tão extraordinário que não nos deveríamos esquecer de a valorizar, ao invés de passarmos por ela e de não a vivermos como ela merece ser vivida: com amor, intensidade, paixão...com a garra de quem um dia vai morrer e a consciência de que não quer passar pela vida sem a viver.
"Foi bom ter nascido...".
Não.
Não foi só bom ter nascido.
É bom viver.

Sunday, August 06, 2006

Sem ti

Sem te ter a meu lado
Nada nada na vida faz sentido.
Tudo me parece oco, vazio.
Tudo perde todos os dias o significado.

Sem a tua mão na minha
O mundo parece grande demais para mim.
Sozinha,
talvez não conseguisse percorrer os mesmos caminhos
que contigo percorro,
talvez não sonhasse os mesmos sonhos
que contigo sonho,
talvez este "talvez" não existisse.

Sem o teu sorriso espelhado no meu olhar
Sei que o mundo já não teria o mesmo brilho
E que a tristeza acabaria por me domar.

Se sem ti, sem a tua mão e sem o teu sorriso
Sou pouco mais que nada,
contigo, com o calor da tua mão e com a beleza do teu sorriso,
o pouco mais que nada passou a ser um pouco mais que tudo.